Entidades assinam carta sobre medidas para o campo da comunicação

Democracia e direito à comunicação andam juntos. Desinformação, discurso e ações de ódio, ataque a jornalistas e violação de direitos têm dado o tom da comunicação no Brasil nos últimos anos. Com a perspectiva de um novo governo, eleito a partir de uma ampla coalizão calcada na defesa do estado democrático de direito, é preciso apontar ações necessárias para garantir uma comunicação democrática. O Criar Brasil é uma das organizações a assinar a carta. Confira o texto na íntegra.

Comunicação democrática é vital para democracia – uma agenda para o novo governo Lula

Um dos principais indicadores internacionais para medir o grau de amadurecimento de sociedades democráticas é a garantia do direito à comunicação. Ele se traduz na existência de um ecossistema comunicativo que permita às pessoas compreenderem os grandes temas nacionais e participarem do debate público. Isso exige pluralidade e diversidade de meios (com presença de veículos comerciais, públicos e estatais), mecanismos republicanos de gestão pública da infraestrutura de comunicação e telecomunicações e políticas de fomento, de tal forma que o acesso à produção e distribuição de conteúdos seja acessível a todos.

Desde a Constituição de 1988, a sociedade brasileira luta para construir um conjunto de medidas para garantir que o direito à comunicação seja efetivado no país. Um desafio que cresceu nos últimos anos, devido às transformações tecnológicas que impactam as mais diversas áreas da sociedade e que são, hoje, centrais para a inserção dos países na economia mundial. Mais que nunca, sem comunicação democrática, a construção de um Brasil mais desenvolvido, soberano e plural é bloqueada.

A ausência de uma comunicação democrática no Brasil contribuiu para o que ocorreu nos últimos 6 anos no país – e que agora precisa ser revertido. A partir do golpe parlamentar de 2016, as políticas de comunicação também sofreram um forte impacto, com o desmonte de iniciativas fundamentais no campo do acesso à Internet; a extinção do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e outras medidas que atentaram contra a construção de uma comunicação pública; o retrocesso na transparência e acesso à informação pública e nos critérios republicanos para distribuição de verbas de publicidade; a flexibilização das obrigações para concessões de rádio e TV e seu uso abusivo para fins políticos; mudanças no marco legal das Telecomunicações, com a disputa de mais de 100 bilhões em bens reversíveis, segundo levantamento do Tribunal de Contas da União, que deveriam retornar ao Estado brasileiro.

Ao mesmo tempo, o país passou a vivenciar uma sequência de ataques a jornalistas, comunicadores e meios de comunicação por parte do governo e do presidente da República; uma intensificação das violações à liberdade de expressão, com a disseminação de desinformação, discurso de ódio e conteúdos que atentam contra o Estado Democrático de Direito, principalmente em plataformas de redes sociais; e a promoção de políticas de vigilância dos cidadãos. A combinação destes fatores gerou um ambiente de fragmentação do debate público e de ameaça permanente à democracia.

Faltaram, ademais, políticas essenciais ao momento da pandemia, como a promoção do acesso à Internet e de desenvolvimento de tecnologias nacionais, demandas que seguem cada vez mais presentes. Esse cenário aprofunda a desigualdade e coloca o Brasil em um lugar de consumidor de tecnologia, muito aquém do que podemos e devemos ser.

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, amparada numa ampla coalizão política de salvação nacional, teve como principal bandeira a defesa da democracia no Brasil. Essa agenda é indissociável da construção de uma comunicação democrática no país.

Temos agora, porém, além do histórico de concentração na propriedade dos meios de comunicação, desafios mais profundos pela frente, seja em função das novas tecnologias digitais e de seu controle por grandes plataformas globais, seja pela intolerância que se aprofundou a partir do discurso de ódio e violência propagado pela extrema direita.

Não é mais possível que a sociedade brasileira fique refém do discurso que visa interditar a necessidade de democratizar o setor e atualizar sua regulação, quando esta agenda vem sendo implementada em todo o mundo, inclusive em países liberais. A Constituição Federal veda a censura, condena os monopólios e oligopólios e preconiza a relevância das culturas nacional e regionais, comandos que precisam ser implementados à luz do cenário atual.

Neste sentido, as entidades, organizações, jornalistas, veículos de comunicação, pesquisadores e ativistas que assinam esta carta assumem o compromisso de lutar com ainda mais vigor por garantias ao direito à comunicação dos brasileiros e brasileiras. O próximo governo precisa encarar este tema como estratégico para a tarefa de superação do fascismo e reconstrução do país. Mais do que apenas uma agenda setorial, democratizar e modernizar as comunicações é condição para evitar o ascenso de movimentos autoritários que ameaçam a democracia e as políticas sociais em nosso país.

Para começar a assegurar este direito, apontamos a necessidade das seguintes medidas:

  • Garantia da diversidade e pluralidade comunicativas, com a adoção de políticas capazes de assegurar a expressão midiática de uma multiplicidade de sujeitos sociais e correntes de pensamento, evitando o controle que poucos grupos exercem hoje sobre o debate público, e a regulamentação dos dispositivos da Constituição de 1988, como a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal, a vedação ao monopólio, o fomento à produção regional e independente, entre outros. Tal esforço passa por medidas de fomento à produção de conteúdos por segmentos historicamente marginalizados no país, como mulheres, negros, trabalhadores, pessoas com deficiência e população LGBTQIA+.
  • Universalização do acesso à internet, via o desenvolvimento de políticas públicas para garantir o acesso universal, significativo e de qualidade para todos, com preços acessíveis e sem limitação de franquia de dados móveis. A se dar tanto pela ação direta do Estado no provimento de conexão a partir de redes públicas, como pela definição da modicidade tarifária, de metas de conectividade para as empresas privadas, de políticas de fomento aos pequenos e médios provedores e iniciativas de acesso à internet comunitária.
  • Regulação das plataformas digitais, a exemplo do que começa a ser feito em todo o mundo, com destaque para a União Europeia, com o estabelecimento de regras que impeçam os gigantes tecnológicos de estabelecer oligopólios, que garantam transparência e devido processo na moderação de conteúdos, que combatam abusos no discurso online (como campanhas de desinformação, discurso de ódio, violência política a atentados ao Estado Democrático de Direito), e que estimulem o surgimento de alternativas produzidas nacionalmente e baseadas na perspectiva do bem comum e das necessidades locais. Tal agenda deve considerar o estabelecimento de uma estrutura regulatória moderna e convergente, a exemplo do modelo adotado em democracias consolidadas.
  • Fortalecimento das mídias alternativas, independentes, comunitárias, populares e periféricas, de todo um grupo de veículos e iniciativas que nasceram fora dos grandes oligopólios privados da comunicação no país e que requerem políticas públicas de incentivo para sua consolidação e ampliação.
  • Enfrentamento à violência contra jornalistas e comunicadores, por meio da adoção de um discurso público de valorização e reconhecimento ao trabalho da imprensa, do fortalecimento do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, e do enfrentamento à impunidade nos crimes contra jornalistas. A valorização do trabalho jornalístico também requer a adoção de mecanismos contra a precarização e o assédio, principalmente contra as mulheres jornalistas e comunicadoras.
  • Recuperação da autonomia e do caráter público e fortalecimento da EBC e do sistema de emissoras e agências públicas ligadas a ela. Por sua estrutura e capilaridade, a EBC pode converter-se em espaço para difusão dos conteúdos produzidos pela multiplicidade de sujeitos comunicativos que queremos estimular, com autonomia e sob governança da sociedade brasileira, através da reinstalação do Conselho Curador.
  • Estímulo à apropriação tecnológica e educação midiática, com políticas de formação para uso de novas mídias, através do letramento midiático crítico, e autogestão de infraestruturas de telecomunicações comunitárias, que permitam a produção de conteúdos em linguagens escrita e audiovisual e preparem os cidadãos para uma relação crítica e autônoma com conteúdos midiáticos.

– Desenvolvimento, em interlocução com a pasta de ciência e tecnologia, de um programa de soberania digital para o Brasil, com medidas como o incentivo e criação de datacenters que envolvam governos estaduais, municípios, universidades públicas e organizações não-governamentais, que permitam manter dados em nosso território e aplicar soluções de Inteligência Artificial que estimulem e beneficiem a inteligência coletiva local e regional. Tal programa deve ainda prospectar tecnologias e experimentos que reforcem a tecnodiversidade e avanços em áreas estratégicas ao desenvolvimento, além de capacitar recursos humanos e sua permanência no setor público para criação de soluções que nos afastem do panorama de dependência das grandes corporações.

Como subsídio ao debate, compartilhamos abaixo um conjunto de documentos, notas técnicas e propostas para várias áreas da comunicação, elaboradas por diferentes redes, organizações e pesquisadores que atuam historicamente nas discussões sobre o tema, e encaminhadas anteriormente aos coordenadores do programa de governo do presidente Lula.

É urgente que o próximo governo trate as políticas de comunicação e inclusão digital como estratégicas para a reconstrução do país e priorize, no comando da pasta e das secretarias relacionadas ao setor, quadros comprometidos com essa agenda democrática.

É necessário, ainda, constituir espaços de debate sobre as comunicações na estrutura do Estado brasileiro, retomando uma prática de diálogo aberto e transparente com todos os setores

interessados. Só assim será possível encaminhar medidas na perspectiva de enfrentar essa pauta mínima e avançar no rumo de uma comunicação mais democrática para um país mais democrático.

  1. Agência de Notícias de Direitos Animais
  2. AMARC Brasil – Associação Mundial de Rádios Comunitárias
  3. Amazoom – Observatório Cultural da Amazônia e do Caribe
  4. ANDI – Comunicação e Direitos
  5. Aqualtune Lab – Cruzando o Atlântico
  6. Associação ARTIGO 19 Brasil
  7. Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPÚBLICA)
  8. Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo
  9. Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
  10. Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas (ABRAPCORP)
  11. Associação Brasileira de Pesquisadores e Comunicadores em Comunicação Popular, Comunitária e Cidadã (ABPCom)
  12. Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais de Educomunicação (ABPEducom)
  13. Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil
  14. Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa
  15. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)
  16. Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG)
  17. Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (COMPÓS)
  18. Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
  19. Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
  20. Centro de Imprensa, Assessoria e Rádio – CRIAR Brasil
  21. Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho – CPCT-ECA-USP
  22. Centro de Pesquisa em Estudos Culturais e Transformações na Comunicação/UFBA
  23. Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH)
  24. Ciranda de Comunicação Compartilhada
  25. Coalizão Direitos na Rede
  26. Coding Rights
  27. Coletivo Digital
  28. Coletivo Mulheres Negras Baobá
  29. COMPOP – Conselho de Comunicação e Políticas Públicas da região   metropolitana de Salvador
  30. ComunicAtivistas – Coletivo de Ativistas da Comunicação
  31. CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
  32. Cooperativa Comunicacional Sul / SC
  33. CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
  34. CUT – Central Única dos trabalhadores
  35. DIRACOM – Direito à Comunicação e Democracia
  36. ECOS – Equipe de Comunicação Sindical
  37. EMERGE-UFF – Centro de Pesquisas e Produção em Comunicação e Emergência, Universidade Federal Fluminense (UFF)
  38. EsTreMa (Estudos em Tradição e Memória) – UFMA
  39. FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas
  40. Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC
  41. Grupo de Pesquisa Economia Política da Comunicação da PUC-Rio/CNPq
  42. Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia da Informação e da Comunicação PEIC-ECO-UFRJ/CNPq
  43. Instituto Bem Estar Brasil (IBEBrasil)
  44. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
  45. Instituto Educadigital
  46. Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS)
  47. Instituto NUPEF
  48. Instituto Vero
  49. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
  50. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
  51. Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
  52. Jornalismo, Direito e Liberdade – grupo de pesquisa ECA-USP
  53. Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) – UERJ
  54. Laboratório de Políticas de Comunicação – Universidade de Brasília
  55. Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN)
  56. Levante Popular da Juventude
  57. Movimento Brasil Popular
  58. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
  59. Núcleo de Comunicação e Educação da USP (NCE)
  60. Núcleo de Jornalismo e Audiovisual (NJA) – Universidade Federal de Juiz de Fora
  61. Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Política – Nucomp/Unifesspa
  62. NUJOC-Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação-PPGCOM-UFPI
  63. Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas, sistemas e transparência
  64. Observatório da Ética Jornalística (objETHOS-UFSC)
  65. Observatório jornalismo(S) (UFOP)
  66. Open Knowledge Brasil
  67. Outras Palavras
  68. Oxfam Brasil
  69. Pimentalab (Laboratório de Tecnologia, Política e Conhecimento da Unifesp).
  70. Portal Desacato / SC
  71. Projeto de Extensão Janela Audiovisual (UFES)
  72. Recria (Rede de Pesquisa em Comunicação, Infâncias e Adolescências)
  73. Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadoras com Visão de Gênero e Raça
  74. Rede Latinoamericana de Estudos em Vigilância, Tecnologia e Sociedade – Lavits
  75. Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD Brasil)
  76. Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (RENOI)
  77. Repórteres sem Fronteiras (RSF)
  78. Revista Diálogos do Sul
  79. Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP)
  80. SINDPD-PE – Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras de TI de Pernambuco
  81. Sintaema – Sindicato dos trabalhadores em água, esgoto e meio ambiente do estado de São Paulo
  82. SINTEPE – Sindicato do Trabalhador e da Trabalhadora em Educação de Pernambuco
  83. SOCICOM – Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação
  84. SOS Imprensa
  85. ULEPICC-BRASIl – Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura
  86. União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES)
  87. União Nacional dos Estudantes (UNE)
  88. União da Juventude Socialista (UJS)
  89. União Da Juventude Socialista – Piauí