A invisível violência contra comunicadores populares

Pagou caro o ex-presidente Jair Bolsonaro por agredir verbal e publicamente, em fevereiro de 2020, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo. Em julho de 2022, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sua condenação na primeira instância e aumentou de R$ 20 mil para R$ 35 mil a indenização que o expoente da extrema-direita no Brasil deve à repórter. 

O quadro geral, entretanto, é diferente para os/as demais jornalistas no Brasil, que quase nunca vencem suas demandas judiciais. Segundo o Relatório da Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2022, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), naquele ano aconteceram 376 agressões a jornalistas e empresas de comunicação no Brasil.

Comparado a 2021, este número representa aumento de quase 70% de agressões.

O índice que coloca o Brasil entre os países mais perigosos do planeta para o exercício do jornalismo, de acordo com o International News Safety Institute (INSI), dos EUA.

Porém, de Norte a Sul do país a situação é ainda pior quando são contabilizados/as comunicadores/as populares – aqueles/as que atuam produzindo informação em veículos de comunicação de baixo alcance e voltados para a sociedade local. Eles e elas têm de enfrentar desde criminosos a autoridades contrariadas pela publicação de informações muitas vezes incômodas a quem exerce o poder localmente.

Tome-se o exemplo daqueles/as que trabalham em favelas localizadas na cidade do Rio de Janeiro e em comunidades variadas no interior do Estado, reconhecido como um dos mais violentos do Brasil.

Segundo relatório publicado em dezembro de 2022 pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), e elaborado em julho do ano passado após visita de dois dias a três das maiores favelas do município, “a existência de poderes paralelos ao Estado e a presença cotidiana do policiamento ostensivo, e a consequente violência policial, comunicadoras/es populares estão inseridos em cenário polarizado e profundamente agressivo”.

Há ainda outra questão: “a presença de grandes conglomerados de mídia no Estado é constantemente contraposto por estas/es comunicadoras/es, que questionam a forma como se comunicam assuntos relacionados à segurança pública, à desigualdade e às favelas e populações vulnerabilizadas na região: observa-se que a cobertura jornalística reafirma estereótipos, pré-conceitos e impõe pré-julgamentos sobre as favelas e seus moradores. O monopólio da comunicação no estado é caracterizado pela apropriação midiática da família Marinho”. 

No outro extremo do país, a situação é pior – e ainda mais invisibilizada, como identificou em meados de 2022 a organização Artigo 19: “nas três últimas edições do Relatório de Violações à Liberdade de Expressão, a Região Amazônica apresenta expressivos números de graves violações contra comunicadores e comunicadoras no País, em especial em cidades com menos de 100 mil habitantes. Ao todo, entre 2018 e 2021, foram contabilizadas, na região, 29 violências entre as elencadas como mais graves (em um total de 99)”.

De acordo com a Artigo 19, nos nove estados que compõem a Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão, que juntos correspondem a 59% do território brasileiro), as graves violações de direitos humanos contra comunicadores/as populares incluem ameaças de morte, tentativa de  homicídio e até assassinatos – como os dois que aconteceram Roraima e Pará (em 2018) e outro verificado em Roraima, em 2021, último ano do qual se tem estatísticas.

Em boa medida, este quadro difícil melhoraria muito se as mídias comunitárias não tivessem os limites atuais para captar recursos.

No caso da radiodifusão comunitária, regulada pela Lei 9.612/98, as entidades estão proibidas de acessarem múltiplas formas de sustentabilidade – como publicidade, por exemplo -, estando restritas ao limitado apoio cultural.

Assim, como observam integrantes do movimento de rádios comunitárias, com recursos econômicos os/as comunicadores/as populares teriam as mínimas condições materiais de produzirem mais jornalismo e, em caso de ameaças ou crimes piores, de contarem com estrutura jurídica e de apoio material que lhes permitissem enfrentar a situação com mais segurança.

Uma opção para a provisão de recursos constava do Projeto de Lei 2630, de 2020, também conhecido como “PL das fake news”. Entretanto, pela nova versão do PL que está sendo reescrita pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP) para facilitar a sua aprovação, não constará mais a obrigação de as mídias comunitárias serem remuneradas pelas grandes plataformas de informação (as big techs Google, Facebook etc) que faturam alto utilizando sem pagar nada pelos conteúdos produzidos pelas mídias locais.

Um PL visto como alternativa pelo movimento nacional de comunicação democrática, o de número 2370/2019, da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), trata do direito autoral apenas de obras literárias, artísticas ou científicas, mas deixa de fora de seu escopo a produção jornalística.

O cenário é de muita gravidade e não aponta para a melhora da situação de insegurança – seja no curto, no médio e ou no longo prazo – para as quase 5 mil rádios comunitárias que o Ministério das Comunicações estima funcionarem no Brasil. Apesar de prestarem valioso e inigualável serviço público, elas e as demais mídias comunitárias não recebem qualquer subvenção estatal e ainda têm sérios limites legais para levantar recursos financeiros. Ficando mais vulnerável ao aparelhamento político ou de igrejas locais, desvirtuando seu princípio comunitário.

Pior para seus trabalhadores/as: a sustentabilidade econômica, é o principal instrumento para lhes garantir alguma segurança, diante de um trabalho diário que muitas vezes denuncia as piores situações.

Por Adriana Maria, jornalista e coordenadora do CRIAR Brasil, Carlos Tautz, jornalista e doutorando em História Contemporânea na UFF e Isabelle Gomes, mestra e jornalista do CRIAR Brasil.

Artigo publicado no site Brasil de Fato27 de Junho de 2023 às 17:25
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