Precisamos (ainda) encarar o debate sobre o papel das TVs e rádios na disseminação de fake news

Urgente, indispensável, vital. O risco das fake news para o regime democrático é praticamente um mantra diante dos estragos causados nos últimos anos. Estragos não só no sentido figurado, mas também nos ataques que presenciamos ao patrimônio público e à democracia.

Na posse em seu terceiro mandato como presidente, Lula deu destaque ao tema em seu discurso: “A desinformação mata e não queremos nunca mais passar por esse tormento. Faremos um trabalho permanente de combate às fake news e à desinformação”, disse. A declaração do presidente foi ecoada pelo ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta. Em sua cerimônia de nomeação, Pimenta ressaltou: “a boa informação é vital para a sociedade”.

O combate à desinformação e ao discurso de ódio pelo novo governo será central na atuação da Secom, através da recém-criada Secretaria das Políticas Digitais. Trata-se de um passo fundamental para que o tema seja, de fato, enfrentado com a dedicação necessária.

No mundo virtual, as notícias falsas, teorias conspiratórias e discursos intolerantes são destaques constantes entre os tópicos mais curtidos e compartilhados. Ainda que sem base na realidade, eles habitualmente mobilizam, chocam, emocionam e compete de forma desleal com as informações verdadeiras. Saem do virtual e se espalham pelas conversas reais na mesa do bar ou no encontro de família. O resultado é o borramento das fronteiras entre o falso e o verdadeiro com consequências profundas.

Mas o alerta é: há vida além do Twitter, TikTok, Instagram, Facebook e outras redes. O debate da vida real e dos grupos de WhatsApp e Telegram são também pautados pelas mídias tradicionais, que podem ter tido sua influência abalada pelo avanço tecnológico, mas sobrevivem. Seguem tendo responsabilidade no caos de desinformação que só se agravou nos últimos anos.

Parece ultrapassado, para alguns até inconveniente, mas precisamos encarar o debate sobre a parte que cabe às emissoras de TV e de rádio, concessões públicas, na disseminação de fake news. Sim, elas também circulam neste ambiente.

A pandemia da Covid-19 também nos deixou inúmeros exemplos de como os absurdos encontram terreno livre e fértil nas telinhas de TV e nas ondas do rádio. No ar, sem constrangimento, foram veiculados depoimentos de comunicadores e informações que questionaram a eficácia da vacina, classificaram o novo coronavírus como “vírus chinês”, lançaram desconfiança sobre as estatísticas de vítimas e amplificaram teorias conspiratórias sobre enterro de caixões vazio e óbitos de outras causas registrados como Covid.

Além disso, estimularam o desrespeito às normas como o isolamento social e o uso de máscaras. Em resumo, ecoaram o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro compactuando com uma política de desrespeito à vida com efeitos imensuráveis. Quantas mortes poderiam ser evitadas se tais discursos não tivessem alcançado tantos ouvintes e telespectadores?

A utilização de concessões públicas como rádios e TVs para disseminar desinformação não é um fenômeno recente. Há tempos, há programas dedicados a destacar pautas conservadoras e usar o discurso de “defesa da família” para se contrapor a avanços no respeito aos direitos humanos. Com apelos religiosos, mas também com humor escrachado e exploração de emoções, estimulam a violência, o preconceito, o ódio.

Apesar da televisão atingir mais de 96% dos lares brasileiros, inclusive em locais onde a internet não chega ou chega de forma precária, os tempos atuais são marcados pelo desprezo à comunicação que não é tão moderna ou descolada. Os programas populares e mesmo o jornalismo de bancada não recebem mais a observação e a atenção que exigem. Isso não significa que não sigam causando estragos. E agora, livres das amarras das grades de programação, se espraiam em terrenos digitais, conquistam audiência no YouTube e são alvos de cortes e releituras que circulam livremente na internet.

O marco regulatório da radiodifusão no Brasil tem mais de 60 anos, uma obsolescência conveniente e programática. Os órgãos reguladores das telecomunicações fazem vista grossa às reiteradas violações de direitos humanos e constitucionais das redes de televisão e rádio.

Não haverá combate eficiente à desinformação e ao discurso de ódio se não houver um olhar para além das novas mídias, se não observamos que a comunicação tradicional resiste para o bem e para o mal. Resta saber se o governo estará disposto a enfrentar esse lado do problema, que envolve grandes empresários e comunicadores políticos com força no Congresso. Na onda de esperança que tomou o Brasil com a expulsão da extrema direita do poder, lutaremos para que a essa disposição prevaleça.

Por Rosangela Fernandes, Coordenadora Criar Brasil/Pesquisadora PEIC/UFRJ.

Por João Paulo Malerba,  professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Por Suzy dos Santos, professora da ECO/UFRJ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia da Informação e da Comunicação – PEIC/UFRJ.