“Eu autorizo o discurso de ódio e a passagem da palavra ao ato”. Essa será a mensagem do voto em Jair Bolsonaro no domingo. Os tiros e as granadas lançadas por Roberto Jefferson em direção aos policiais federais revelaram, de forma clara, as consequências de uma lógica de intolerância e força bruta que se instalou no Brasil desde o início do mandato do atual presidente da República. Como a Organização das Nações Unidas tem alertado, a violência se inicia nos discursos e se concretiza em ações que ameaçam a dignidade humana, que destroem vidas.
O ódio não é novidade na nossa sociedade. Ele sempre teve capacidade mobilizadora e contou com permissividade para ocupar espaços. No rádio e na TV, os programas policiais que pregam a pena de morte sem julgamento ou condenação fazem, infelizmente, parte da nossa tradição e têm audiência cativa. As emissoras dependem de concessão pública, mas seguem impunes reverberando a intolerância sem preocupação alguma com a função social que constitucionalmente deveriam desempenhar. No Brasil, segundo dados do IBGE, 95,5% dos domicílios têm aparelhos de televisão, que tem papel privilegiado de levar informação gratuita a locais onde a internet não chega ou é cara e irregular. Em tempos de convergência digital, o que é veiculado na TV ou no rádio, não tem sua força restrita à grade de programação, reverbera nas redes sociais e ganha vida própria.
Esses programas, em que o ataque aos direitos humanos é regra, são privilegiados pelo presidente Bolsonaro desde a construção da campanha ao palácio do Planalto. E não é à toa. Simbólico dessa conexão é o “Alerta Nacional”, comandado por Sikêra Júnior. Em menos de dois anos, Bolsonaro deu sete entrevistas exclusivas ao apresentador. Privilégio concedido a um ambiente seguro para o mandatário que não tolera questionamentos ou pautas inconvenientes. Até o início deste ano, o programa tinha como exemplo mais forte do chamado “populismo penal midiático” – que se caracteriza pelo julgamento e condenação realizados pelos meios de comunicação – o quadro “CPF cancelado”. A cada suspeito morto pela polícia se segue o desfile com direito à coreografia com o cartão do Cadastro de Pessoa Física carimbado com a palavra “cancelado”, referência à gíria utilizada pelas milícias no Rio de Janeiro para identificar opositores eliminados. O presidente da República e seus filhos já posaram com o cartão utilizado para comemorar a morte.
Recentemente, na onda de ódio que se espalhou pelo país, o quadro pareceu pouco. Diante de um presidente que já falou em metralhar a petralhada; só não estuprar uma parlamentar porque ela não merecia; afirmou que tinha vontade de “encher de porrada” jornalistas, e considerou que a ditadura militar errou por não ter matado mais, parte da sociedade se viu estimulada a subir o tom, aprofundar a violência discursiva. Temos visto isso nas ruas, nas redes sociais, e também nos meios de comunicação. Neste clima, Sikêra Júnior inaugurou um novo quadro: “O pote do demo”, em que agora empilha pequenos bonecos de plástico que representam corpos de pessoas mortas pelas forças policiais. Se houver uma chacina, mais festa é feita no estúdio ao encher o pote. Não há limite para a barbárie.
É com o discurso oficial do ódio, a naturalização e a amplificação dele nas mídias tradicionais e nas redes sociais que o país tem visto aumentar agressões e assassinatos contra determinados grupos. A violência política cresceu 335% em 2022 no Brasil, segundo estudo da UNIRIO. Os assassinatos em conflitos no campo registraram em 2021 aumento de 75%, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na população LGBTQIA+, o país passou a ocupar, em 2021, o primeiro lugar em homicídios, um a cada 29 horas. No mesmo ano, os casos de racismo tiveram alta de 31%. Também em 2021, a violência contra jornalistas bateu recorde: 430 registros, segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
A política de Jair Bolsonaro tem sido pautada pelo estímulo à violência, à posse de armas, à intolerância. A reeleição do candidato do PL significaria o aval ao seu discurso e prática. Representaria também estimular que o ódio siga atravessando nossas vidas, como uma forma perversa de comunicação e relação social que tem minado nossa saúde e afetado profundamente a democracia brasileira. Ao votar em Bolsonaro no próximo domingo, seus eleitores estarão ratificando seu apoio não só ao discurso de ódio, como às suas consequências. Talvez muitos não se percebam como possíveis vítimas dessa decisão, mas vale lembrar que quando a incivilidade é permitida e estimulada, ninguém está a salvo.
Por Rosangela Fernandes, Coordenadora Criar Brasil/Pesquisadora PEIC/UFRJ
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